Crime ocorre, nada acontece: Watch Dogs

Crime ocorre, nada acontece: Watch Dogs
Você hackeia, corre, pula e se esconde, mas a violência é a única resposta em Watch Dogs.


Lá pelas tantas nas ruas da Chicago virtual de Watch Dogs, eu estava fugindo da polícia depois de descer o pipoco em um comboio de carros que, segundo os grunhidos do protagonista Aidan Pearce, estava a caminho de um tiroteio entre duas gangues rivais. Internalizando os infindáveis monólogos monótonos do personagem, pensei, tentando encarnar o melhor vigilante mascarado dentro de mim: “Esse tiroteio poderia acabar mal pras pessoas inocentes ao redor”.

Eu estava certo, só que do jeito errado.

No calor da perseguição, atravessei um shopping a céu aberto no centro da cidade e atropelei fatalmente mais de 15 pessoas: homens, mulheres, senhores e senhoras. Quando o nível de reputação dentro do jogo caiu por conta desse acidente, eu percebi que qualquer tentativa de salvar o dia tinha falhado miseravelmente. Logo depois de escapar da polícia, inexplicavelmente o rádio avisa que o povo de Chicago estava apoiando em peso as ações do Vigilante. As minhas ações, que cinco minutos antes resultaram na morte de um punhado de famílias.

“Que idiotas”, pensei, enquanto hackeava os sinais de trânsito que voavam por cima do meu carro, criando um engavetamento atrás de mim que, no mínimo, deixou meia dúzia de motoristas se xingando num cruzamento. Algo que acontece com tanta frequência no jogo que logo nos primeiros minutos você percebe que o personagem é muito mais maligno para essa cidade do que faz parecer a repetida imagem de vigilante durão e justo que a história força sempre que pode até o final.

Watch Dogs tenta se provar um jogo dinâmico em um mundo aberto rico e responsivo às suas ações, mas quanto mais eu jogava, mais acreditava que essa interatividade era meramente superficial. Ao longo do jogo, a dinâmica se descola do que está acontecendo na trama. Depois de um tempo, não importa se você hackeia uma substação inteira de energia, ou se consegue desligar um bairro inteiro apetando um botão: no fim do dia, a maioria dos conflitos ou se resolve ou em algum momento recorre à bala. Em Watch Dogs, a força bruta vergonhosamente ainda domina qualquer conceito inteligente que pode pintar no meio do jogo.


Não é surpreendente que os moradores de Chicago só reagem quando são estimulados por qualquer tipo de violência. Depois de atropelar mais de uma dúzia de dente, estava com o carro parado no meio de uma praça. Do canto da tela, comecei a ver o flash das câmeras dos cidadãos que tiravam avidamente fotos do protagonista em mais uma situação de flagra. Ninguém ali se importava com o fato de que eu podia controlar toda a cidade com o meu celular, ou mesmo como era possível um habilidoso hacker também ser um baita motorista de fuga, lutador de múltiplas artes marciais e especialista em armas e explosivos. O que importava era, provavelmente, os pedaços das pessoas que eu tinha atropelado presos na roda do meu carro. Uma sociedade vidrada no espetáculo da violência.

Foi perturbador perceber apenas lá pro meio do jogo que Watch Dogs estava me forçando a escolher um só caminho por mais de 30 horas solto em um mundo aberto. Além de jogar um xadrez com o pessoal da terceira idade nos parques, não tem mais nada para fazer nessa cidade que não seja atirar, matar, bater, hackear, correr, atropelar ou qualquer outra coisa que envolva diretamente violência. Não há outra opção. É quase como se o universo desse game existisse num futuro alternativo onde a única referência cultural são os dramas policiais sensacionalistas do Cidade Alerta. O jogo deixa claro que tem um certo tesão pela violência, ou pelo menos por uma certa violência psicológica e moralmente destrutiva.


O que mais me perturbou foi que Watch Dogs está cheio de boas ideias: itens úteis para situações diferentes, a ideia de usar a câmera como uma arma poderosa, e até um sistema de tiro razoável (ei, é melhor que GTA V), que nem precisava estar ali. Mas a execução se perde em uma história que se arrasta de tiroteio em tiroteio, enquanto os conceitos bacanas ou ficam fadados a missões paralelas, ou se tornam truques ensurdecidos pelos barulhos das metralhadoras do jogo.

Sabe que isso me lembra muito do primeiro Assassin’s Creed? Hm, quem sabe Watch Dogs 2 seja tudo o que Watch Dogs tentou ser?



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