“O videogame e o humor entram em um bar...”


A mistura de humor com games exige uma química bem complexa. Mas existe uma explicação pra isso.
Videogames, desde seus primórdios, têm se mostrado eficazes em contar histórias, mesmo que simples, com muito poucos recursos e sem se distrair de sua função principal: deixar com que o jogador interaja com uma série de recursos (preferivelmente) divertidos. Infelizmente esse propósito principal conflita com o objetivo de quem quer criar comédia nos joguinhos eletrônicos.

“Mas por que isso, Gus?”, você pode me perguntar. Veja bem, caro leitor, uma importantíssima necessidade de quem cria comédia é controlar o timing para que o efeito desejado – o riso – seja atingido.

"Mas na literatura você não controla o timing com o qual seu material é lido, Gus." Você argumenta em vão, já que eu é que estou escrevendo esse texto e já ganhei esse argumento, senão não reproduziria ele aqui. Simples: na literatura você tem total controle da ordem na qual os elementos são apresentados/recebidos. É verdade, tente ler esse texto sem seguir as palavras na ordem na qual deixei e ele deixa de fazer sentido, ele inclusive deixa de ser esse texto que você está lendo.

Porém copiar o humor em sua forma mais literária foi o que os games fizeram no começo: jogos do gênero adventure eram basicamente uma exposição linear de vários diálogos em texto. Assim, piadas que dependiam somente de um interlocutor dizendo algo escrito de maneira a ser engraçado eram aceitáveis como maneira de humor.


Essa prática, pode-se dizer (e eu direi!), evoluiu para o humor que vemos na série Portal e em Trials: Fusion. O humor está, na sua maior parte, vindo de um narrador que fala e pouco liga para o que você faz. Assim como num adventure da Sierra em 1995, tudo que você faz para ativar o humor é andar até o ponto em que a fala engraçada acontece.

O contrário é raro, mas também é possível: um jogo que se leva a sério, mas é tão ruim que é engraçado. Um jogo que nos faz rir pelo mesmo motivo que os filmes trash que a gente alugava na locadora faziam: há uma dissonância entre o que você vê e o que você acha que quem fez aquilo viu.

Um ótimo exemplo desse feito raro no mundo dos videogames é 50 Cent: Blood On The Sand. É uma história ridícula do rapper 50 Cent e alguns membros da G-Unit matando um quantidade absurda de pessoas e explodindo inúmeros helicópteros em busca de uma caveira de cristal que serve de pagamento por um show no Oriente Médio. Tudo sobre a imagem de 50 Cent no jogo sugere que ele achava que estava fazendo um épico de ação que mostrava o quão fodão ele pode ser... mas o resultado é ridículo, a ponto de criarem um botão apenas pra ofender inimigos.

Normalmente, um jogo feito por motivos tão bizarros e por um protagonista tão absurdo com uma certa influência criativa no processo seria um grande lixo. Mas não, o jogo é mecanicamente estável e divertido o suficiente para você continuar jogando e rindo do 50 Cent, mas não com o 50 Cent.


Isso me leva a outra forma de humor, que aparece nos games mais complexos de hoje: o ridículo da agência do jogador. Muito do que você pode fazer em games modernos (especialmente os de mundo aberto) é ridículo se interpretado dentro do contexto narrativo do jogo. A maioria dos jogos prefere ignorar esse tipo de coisa, que pode muito bem resultar em uma quebra da realidade daquele universo. Por exemplo, pense em como Grand Theft Auto IV e V se levam tão a sério o tempo todo, sendo que existe a possibilidade real de você estar usando uma roupa ridícula num carro todo quebrado, manchado de sangue, passando devagarinho na frente duma delegacia.

A franquia Saints Row (especialmente em The Third e IV) abraça totalmente o quão ridícula é sua interação com um mundo aberto em que você é o protagonista de um game. Inclusive, Saints Row IV trata tudo com mais uma camada de distanciamento irônico, adicionando até entrevistas de Making Of com os personagens que, na verdade, interpretam a si mesmos num Ouroboros de auto-referência e metalinguagem.



"A que conclusão isso nos leva, Gus?" Bom, caro leitor e constante interruptor (porém não iluminador), eu não sei. Mas pelo menos agora você sabe como jogos engraçados – e às vezes nem tão engraçados assim – constroem o seu humor.

Na real, estou aqui escrevendo sobre humor e games pois me foi pedido isso. Estou aqui apenas para cumprir meu dever vocativo para/com este novo site. Provavelmente a ideia é que você termine de ler e então comente sobre os jogos que acha mais engraçado, ou algo assim. Eu acho que qualquer comentário que não envolva Mortal Kombat II está errado: você tem o "Toasty!" e o Johnny Cage socando todo mundo nas bolas. E sinceramente, esse tipo de humor é universal.

Gus Lanzetta é comediante, jornalista, especialista em joguinhos eletrônicos do tipo videogame e um ótimo cozinheiro nas horas vagas.



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